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Cinco Horizontes

Porque é importante não ter só um

Cinco Horizontes

O Sporting era a nossa coisa

Eu não me lembro da primeira vez em que pus os pés no velhinho Estádio de Alvalade. Lembro-me vagamente de ir lá com os meus pais e irmã numa ocasião, depois mais tarde de ir com o meu pai e irmã e depois passámos a ser só os dois, eu e o meu pai, quando a minha irmã decidiu virar a casaca para o FC Porto.

 

Ao domingo, era dia de ir à bola. Levava a minha bandeira com cabo de pau, o cachecol, a almofadinha para sentar nas bancadas de cimento, que naquela altura não havia cadeiras e era cada um por si, e lá íamos todos contentes. Eu não percebia grande coisa de futebol e acredito que em boa parte do tempo estivesse distraída a ver passar o senhor dos gelados ou dos nougats, que o meu pai me comprava sempre que lhe pedia. Lembro-me de gostar de gritar golo - que acontecia quase sempre, porque os jogos que íamos ver eram com equipas mais "fracas" - e de gostar daquele ambiente dos cânticos e das trocas de comentários entre pessoas que não se conheciam de lado nenhum e que de repente se viam na companhia uma das outras por causa de um gosto em comum. Mas do que me lembro com mais carinho é de que aqueles eram momentos só nossos, porque o Sporting era a nossa coisa. 

 

Vários episódios ficaram na memória, como naquela vez em que já tinha 12 anos e o meu pai achou que eu passava bem por 10 e não me comprou bilhete. À entrada perguntaram-me em que ano tinha nascido e eu, muito naturalmente, respondi 1984. E lá fui. Ou de quando estávamos a jogar com o Famalicão (sei que foi em 1992 porque o Google é amigo), e, depois de estarmos a ganhar 4-0 os outros ainda reduziram para 4-3 e foi um ai-ai-ai até ao fim do jogo (sentimento com que qualquer sportinguista se identifica facilmente). 

 

E depois na fase da adolescência, quando eu queria ir para a Porta 10-A esperar que os jogadores chegassem para os ver de perto. Ou como queria ir sempre à Loja Verde mesmo que nunca lá comprasse nada. E o meu pai alinhava sempre, alinhávamos sempre um com o outro. E aquela inesquecível final da Taça em 1995, a primeira vez que fui ao Jamor e que vi o Sporting ganhar alguma coisa. Gozavam tanto comigo na escola, porque eu era das poucas adeptas de um clube que não ganhava nada há anos. Mas com esse tipo de bullying sempre lidei bem.

 

Com o tempo, deixámos de ir tanto à bola, mas continuámos a ir sempre 2-3 vezes por época. Ao estádio novo fomos algumas vezes, a última delas há coisa de 2 anos, num jogo com o Belenenses para a Taça, que ganhámos 2-0. E depois, em 2012, consegui a muito custo comprar bilhetes para a final da Taça com a Académica, que foi aquele triste espetáculo para nós. Foi o último jogo de futebol que o meu pai assistiu ao vivo e, apesar de tudo, sei que ele gostou porque estivemos ali os dois. Porque o Sporting era a nossa coisa.

 

Desencantei-me com o futebol ao longo do tempo e por vários motivos, mas o meu pai via todo e qualquer jogo em que o Sporting entrasse, ou, em último caso, ouvia o relato. Estava desgostoso com o estado em que o clube estava quando partiu, mas tinha sempre aquela esperança que as coisas fossem melhorar. Ontem dei por mim, inconscientemente, a querer saber o que o meu pai acharia de termos voltado ao primeiro lugar isolado do campeonato depois de tantos anos. Ou do nosso novo goleador. Ou do rumo positivo que o clube parece levar.

 

Cá vou continuando a acompanhar de longe. Um dia, hei-de voltar ao Estádio, sem ele. Um dia, hei-de voltar a comemorar um campeonato sem ele e o seu bigode cortado para a ocasião. Se calhar vou chorar, recordando um tempo que já não volta. Mas com o conforto de saber que algum do entusiasmo e do gosto que o meu pai tinha pelo Sporting Clube de Portugal continua em mim, de certa forma. Porque o Sporting era a nossa coisa.